Por Alvaro Augusto Orione Souza e Ana Clara da Costa Santos
No último dia 2 de junho, foi sancionado pelo Presidente da República o Projeto de Lei n. 5.284/2020[1], que, como já mencionado em nosso boletim informativo do mês de maio, traz importantes alterações ao Estatuto da Advocacia, dentre outros textos legais, como o Código Penal e o Código de Processo Civil.
De todas as relevantes alterações legislativas previstas na lei, destacamos aqui aquelas que interessam à sustentação oral por advogado, consoante às novas possibilidades impostas pela nova redação do artigo 7º da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia)[2], a qual aqui se transcreve:
“(…)
IX-A – sustentar oralmente, durante as sessões de julgamento, as razões de qualquer recurso ou processo presencial ou telepresencial em tempo real e concomitante ao julgamento;
X – usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, de deliberação coletiva da administração pública ou Comissão Parlamentar de Inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão;
(…)
I – recurso de apelação;
II – recurso ordinário;
III – recurso especial;
IV – recurso extraordinário;
V – embargos de divergência;
VI – ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.”
As disposições, que a primeiro olhar podem parecer mera alteração ritual no curso de julgamentos de recursos e processos, traduzem, em verdade, a incessante busca de se garantir efetividade aos princípios da ampla defesa, do contraditório e, por último, do devido processo legal, todos consagrados por nossa Constituição, e que por vezes são obstados de forma injustificada por regras regimentais dos tribunais.
Sabe-se que, até a sanção dessa alteração do Estatuto da Advocacia, não se admitia, no âmbito dos tribunais superiores[3], a sustentação oral no julgamento dos recursos de Embargos de Declaração ou Agravo Regimental contra decisões monocráticas que julgassem o mérito ou não conhecessem de recursos, ações e remédios de competência originária do tribunal.
Dessa forma, defesas que tivessem, por exemplo, seus habeas corpi liminarmente negados por decisão monocrática do relator, mesmo que buscassem, via recurso, rediscutir o mérito do pedido no colegiado, seriam obstadas de sustentar oralmente as razões do seu pedido, ainda que diante de discussão de cunho sensibilíssimo – a proteção ao mais caro direito à liberdade.
Por certo, a referida vedação da prática de sustentação oral nestes procedimentos não foi implementada pelo judiciário por más intenções. Buscava-se imprimir celeridade ao trâmite processual e, por último, tornar a prestação jurisdicional mais acessível àqueles que dela se socorrem. Mesmo por isso, a jurisprudência dos tribunais superiores era firme em considerar que a limitação à realização de sustentação oral era possível[4].
E embora a medida tenha, de fato, dinamizado os julgamentos recursais, por outro lado, de forma indiscutivelmente negativa, precarizou o exercício da ampla defesa, já que o uso da palavra na tribuna é meio imprescindível para se proporcionar ao acusado defesa técnica efetiva[5]. A praxe transformou em regra o que deveria ser a exceção – o julgamento monocrático de recursos e habeas corpi nos tribunais superiores, o que desafiava o recurso de Agravo para o colegiado, mas no qual não se permitia a sustentação oral.
Com a alteração do inciso IX-A do art. 7º da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), a realização da sustentação oral passou a ser possível em todos os processos e recursos, sem exceção, sejam eles julgados de forma presencial ou telepresencial. Assim, no último dia 7 de junho, foi realizada perante o Superior Tribunal de Justiça, a primeira sustentação oral em Agravo Regimental criminal, na oportunidade do julgamento do AREsp n. 1.998.631/BA pela Sexta Turma.
A despeito do importantíssimo avanço já vivenciado, na mesma sessão de julgamento foi destacado pela Exma. Ministra Laurita Vaz que, agora, caberia ao tribunal redefinir o tempo regimental que será garantido aos advogados para realização das sustentações orais em todos os procedimentos, eis que, com a possibilidade de sustentação em quaisquer recursos, a demanda pela prática do ato será maior, o que, segundo a ministra, certamente acarretará na diminuição do tempo disponível aos advogados na tribuna.
A previsão da Exma. Ministra parece certeira, eis que, nesta segunda-feira (13/06/2022), o Pleno do Superior Tribunal de Justiça definiu que, até ser regulamentado o artigo 160 do Regimento Interno da Corte, fica estabelecido o prazo máximo de cinco minutos para as sustentações orais em agravos regimentais nos processos de direito penal em tramitação na Corte Especial, na Terceira Seção, na Quinta e na Sexta Turma[6].
A redução do tempo concedido para cada sustentação oral, no entanto, parece ir na contramão do espírito da inovação legislativa em comento. A alteração legal veio, justamente, para ampliar o acesso ao direito de sustentar oralmente perante os tribunais; se, em contrapartida, o tempo de sustentação oral for reduzido, isso equivaleria a tolher esse direito de sustentar, diminuir as possibilidades de expor, ao colegiado julgador, as teses da defesa. Seria dar com uma mão, para tirar com outra.
Em caráter transitório, a matéria obedecerá, no tribunal, ao disposto na resolução STJ/GP 19/22[7], editada no último dia 7 de junho pelo Ministro presidente Humberto Martins. De acordo com as diretrizes estabelecidas, para o procedimento da sustentação oral nos casos de julgamento presencial ou telepresencial, o advogado deverá obedecer ao disposto nos artigos 158 e 159 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, bem como ao limite temporal de 5 (cinco) minutos para sustentação em Agravos Regimentais em feitos de natureza penal, e, nos casos de julgamento virtual, serão retirados de pauta os processos com pedido pelo uso da palavra até a adaptação do sistema a fim de permitir a inserção de mídia digital contendo a sustentação oral.
Mas a alteração legislativa do inciso IX-A do art. 7º da Lei n. 8.906/94 prevê, ainda, o direito de que a sustentação oral seja realizada em tempo real e concomitante ao julgamento. Essa disposição, alinhada ao novo §2º-A, traz à tona importante discussão em torno do uso da palavra em sessões de julgamento no que se configurou como plenário virtual, ou julgamento virtual, implementado nos tribunais superiores no passado recente.
O chamado plenário virtual possibilitou, no âmbito dos tribunais superiores, a realização de julgamentos colegiados de forma integralmente digital (artigo 21-B do RISTF e artigo 184-A do RISTJ), por meio da disponibilização de votos, por escrito, em sistemas informatizados implementados nas cortes.
A modalidade de julgamento há alguns anos vem sendo alvo de críticas, principalmente por não permitir a troca de ideias tal qual ocorre no plenário presencial. As críticas são ainda mais acentuadas quando o julgamento virtual é colocado lado ao direito de sustentação oral[8].
No Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de julgamento virtual é restrita aos Embargos de Declaração, Agravo Interno e Agravo Regimental, recursos que, até então, não admitiam em regra a realização de sustentação oral pelo patrono da causa[9].
Por outro lado, no Supremo Tribunal Federal, admite-se, a critério do relator ou do ministro vistor com a concordância do relator, a submissão de qualquer processo de competência do tribunal a julgamento em ambiente informatizado, mesmo aqueles com previsão expressa pela possibilidade de uso da palavra na tribuna.
Nessa hipótese, o advogado que deseje realizar sustentação oral pode, nos termos do artigo 21-B, §2º do RISTF, encaminhar vídeo por meio eletrônico até 48h antes de iniciado o julgamento, em “analogia” ao procedimento do julgamento presencial. Antes da alteração proposta ao Estatuto da Advocacia, caso o advogado desejasse realizar a sustentação oral de forma presencial, poderia requerer a retirada do seu processo da pauta da sessão virtual, para inclusão em sessão de julgamento presencial, mediante fundamentação do pedido, que poderia ou não ser acolhido pelo ministro relator.
Na eventualidade de ser negado o pedido de retirada de pauta da sessão virtual, restaria ao advogado apenas a possibilidade “analógica” de uso da palavra, por meio do encaminhamento da sua sustentação oral por meio da inserção de vídeo no sistema eletrônico, sem qualquer garantia de que o material de fato seria assistido pelos julgadores.
Com as novas disposições do inciso IX-A §2º-A do art. 7º da Lei n. 8.906/94, deixa de haver discricionariedade por parte do relator, quando do requerimento de retirada de processo da pauta virtual para realização de sustentação oral: o processo deverá ser levado à sessão de julgamento presencial, para realização de sustentação oral em tempo real e concomitante ao julgamento, possibilitando o completo exercício da defesa técnica da causa.
Dessa forma, a regra deverá ser implementada tanto no Superior Tribunal de Justiça, à luz da possibilidade de sustentação oral nos recursos que permitem o julgamento virtual, bem como no Supremo Tribunal Federal, em procedimentos de todas as classes processuais, quando incluídos na pauta informatizada.
Sem dúvidas, as alterações da Lei n. 8.906/94 pela nova redação do seu artigo 7º ampliaram de forma importante o direito à sustentação oral, dando maior efetividade ao direito de defesa e ao contraditório, inclusive diante do avanço muito criticado dos julgamentos virtuais. Agora, resta acompanhar quais serão os mecanismos adotados pelos tribunais superiores para se adequarem, na prática, os seus julgamentos aos novos parâmetros.
Nesse passo, é preciso cuidar para que alegadas dificuldades na implementação prática das medidas não venham a mitigar alguns dos importantes avanços propostos pela alteração legislativa, como exemplo a garantia do direito de sustentação oral concomitante ao julgamento ou mesmo a disponibilidade de tempo hábil para uso da palavra perante o colegiado. Afinal, a garantia de acesso à justiça não pode ser implementada às custas da mitigação do exercício da ampla defesa.
[1]BRASIL. Lei 14.365/2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/Lei/L14365.htm. Acesso em 13/06/2022.
[2] BRASIL. Estatuto da Advocacia. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm. Acesso em 13/06/2022.
[3] Art. 159 do RISTJ e Art. 131 §2º RISTF
[4] Vide julgamento do AgRg n. HC 190.506, rel. Min. Rosa Weber. STF.
[5] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-07/diogo-malan-advocacia-criminal-arte-sustentacao-oral#:~:text=A%20sustenta%C3%A7%C3%A3o%20oral%20fomenta%20relevantes,das%20partes%2C%20em%20decorr%C3%AAncia%20da. Acesso em 13/06/2022.
[6] Sustentação oral em agravo nos colegiados penais terá cinco minutos, até alteração do Regimento Interno.
Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13062022-Sustentacao-oral-em-agravo-nos-colegiados-penais-tera-cinco-minutos–ate-alteracao-do-Regimento-Interno.aspx. Acesso em 14/06/2022.
[7] Brasil. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Resolução STJ/GP n. 19 de 7 de junho de 2022. Dispõe, em caráter transitório, sobre alteração procedimental imposta a recursos de competência do Superior Tribunal de Justiça pela Lei n. 14.365, de 2 de junho de 2022. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/165359. Acesso em: 14/06/2022.
[8] POMPEU, Ana. Sessões virtuais do STF preocupam advogados e geram críticas de partes das ações. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/sessoes-virtuais-do-stf-preocupam-advogados-e-geram-criticas-de-partes-das-acoes-28042020. Acesso em: 13/06/2022
[9] Art. 159 do RISTJ. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Regimento/article/view/3115/3839