Por Jéssica Almendro
O Projeto de Lei n. 2234/2022, o qual prevê a regulamentação dos jogos de azar e apostas no Brasil, deve ser levado a votação ainda neste mês de setembro, pelo Senado, visando regulamentar o funcionamento dessas práticas, que até o momento acontecem de forma clandestina, o que dá margem para atuação de organizações criminosas e práticas delituosas, daí a necessidade de se estabelecer limites e proteção para essa atividade.
As discussões acerca do PL giram, de um lado, sobre o argumento de que o Brasil não seria capaz de realizar uma fiscalização adequada dessas atividades, bem como de que a sua legalização fomentaria o vício por jogos, além de poder facilitar a prática de lavagem de dinheiro, por organizações criminosas. Em contrapartida, há aqueles que defendem o Projeto de Lei, argumentando que a legalização dos jogos de azar seria capaz de movimentar a economia do país, gerando arrecadação tributária, empregos e incentivando o turismo.
Considera-se jogos de azar, aqueles em que o resultado é influenciado pelo acaso, em que o ganho ou a perda dependem somente da sorte. Enquanto alguns jogos podem envolver um certo grau de habilidade ou raciocínio lógico, nos de azar a sorte exerce um papel predominante. Eles são muito populares em cassinos, loterias e plataformas de apostas esportivas.
Com a categoria online desses jogos, e a participação de influenciadores digitais e figuras famosas da mídia que trabalham na sua divulgação e disseminação, essa atividade se tornou ainda mais atrativa para organizações criminosas que necessitam lavar o seu dinheiro, visto que conseguem transitar facilmente entre o mundo do lícito e ilícito sem deixar suspeitas, por muitas vezes atuando até em segundo plano como patrocinadores/controladores desses jogos e sorteios fictícios.
O assunto foi abordado na obra de Luiz Flávio Gomes[1]:
“Os jogos de azar, pela própria natureza, são propensos a serem usados como mecanismos de lavagem de dinheiro, uma vez que permitem a inserção de grandes quantias de dinheiro ilícito no sistema financeiro formal.”
Podemos apontar, como exemplo, o caso do sujeito que faz apostas e ganhos falsos. Ele faz uma grande aposta em um cassino ou site de apostas, contudo ele consegue ter um controle interno sobre o resultado dessa aposta, seja por meio de manipulação ou complô com outros integrantes, de modo que o resultado desse jogo sempre será favorável para si, fazendo com que aquele dinheiro sujo ingresse ao sistema financeiro, como se fosse fruto de atividade legítima, como se ele realmente tivesse vencido um jogo de resultado aleatório.
Dito isso, é possível traçar uma relação entre o crime do artigo 1º da Lei n. 9.613/98 e os jogos de azar. Esses jogos passaram a ser um dos meios utilizados para lavagem de capitais. Com o destaque dos cassinos online, que vêm se popularizando cada vez mais, e por ainda não se encontrar devidamente regulamentado no Brasil, facilitou a atuação de criminosos sem uma fiscalização e penalização acerca dessa conduta.
O crime de lavagem de dinheiro consiste no processo de mascarar a origem ilícita do dinheiro, tornando-o aparentemente legal. O crime é divido em fases definidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). A primeira etapa trata do afastamento do dinheiro, bem ou ativo, de sua origem ilícita (colocação/ocultação), seguindo para a próxima etapa, de realização de transações para camuflar as fontes criminosas (dissimulação) e, por fim, a incorporação desse capial no sistema formal com aparência de licitude (integração).
A prática desses jogos de azar, seja na sua modalidade física ou online, se utilizada para o crime, são importantes, principalmente, nas fases de colocação e ocultação, por meio das quais o sujeito pode, por exemplo, fazer a compra de fichas em um cassino utilizando o dinheiro sujo, em seguida poderá jogar parte dessas fichas e, por fim, trocar o restante por um cheque ou dinheiro, alegando que esses recursos são ganhos legalmente do jogo.
Em outros termos, a lavagem de dinheiro e os jogos de azar podem se tornar intrinsicamente ligados, se as apostas não forem criteriozamente fiscalizadas, devido à natureza desses jogos oferecer um meio eficaz para ocultar a origem do dinheiro. Os cassinos, casas de apostas e outros estabelecimentos de jogos de azar fornecem um ambiente onde grandes quantias podem ser transacionadas sem levantar suspeitas.
Mas como combater a lavagem de dinheiro, caso ocorra a aprovação do PL n. 2234/2022?
A legalização desses tipos de jogos deve vir acompanhada de um conjunto rigoroso de medidas de controle e prevenção, de modo que os estabelecimentos de apostas se tornem também fiscalizadores, criando cadastros paras seus clientes e mecanismos capazes de monitorar e identificar qualquer atividade suspeita, associados à obrigatoriedade da sua comunicação ao COAF.
De igual modo, essa dever de fiscalização e reporte sobre o próprio cliente já existe, para estabelecimentos que atuam, por exemplo, na compra e venda de bens e valores que lidam com montantes exorbitantes, como as joalherias, comércio de antiguidades e obras de artes, compra e venda de jogadores de futebol, mercado imobiliário etc., agentes do mercado que, junto com as instituições financeiras, são legalmente obrigados à vigilância das transações de seus clientes, para prevenir a lavagem de dinheiro.
Uma outra medida seria evitar operações feitas por meio de dinheiro em espécie, pois, por não costumar deixar vestígios, o doinheiro vivo torna mais difícil identificar a origem do capital.
O principal objetivo do PL é regulamentar e limitar uma prática que já vem acontecendo no Brasil, e que fugiu do controle dos fiscais da lei por ainda não ter um amparo legal, como acontece em outros países, posto que, atualmente os sites de apostas se encontram sediados no exterior ou em paraísos fiscais, alheios à legislação brasileira, dificultando a tributação, fiscalização e até garantia de direitos dos usuários.
Vale destacar que as chamadas “bets” esportivas, hoje já se encontram regulamentadas pela Lei n. 13.756/2018, posteriormente ampliada pela Lei n. 14.790/2023, e que regula as apostas esportivas online, que devem ser feitas por meio de quota fixa, geralmente em eventos esportivos, por meio do qual o apostador conhece previamente a taxa de retorno, recolhendo o tributo específico para tal atividade, não sendo consideradas jogos de azar por ter essa relativa previbilidade do resultado.
Em suma, se aprovado o PL, faz-se necessário que um conjunto de providências profiláticas acompanhe a legalização dos jogos de azar, para que sejam operados somente por entidades autorizadas que preenchem estritos requisitos a serem instituídos por lei.
De qualquer forma, buscam-se medidas que vão diminuir possíveis impactos negativos em nossa economia e sociedade, e com o crescimento da era digital esse assunto se torna ainda mais importante a ser debatido, pois com os avanços das tecnologias e aprimoramento das técnicas dos criminosos, faz-se necessário uma atualização e inovação do nosso sistema de leis.
Referências:
Notícia sobre a votação da PL. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/08/26/projeto-que-regulamenta-bets-deve-ser-votado-ate-setembro-diz-relator-no-senado.ghtml
PL n. 2234/2022. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/154401
Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf. Disponível em: https://www.gov.br/coaf/pt-br/assuntos/o-sistema-de-prevencao-a-lavagem-de-dinheiro/o-que-e-o-crime-de-lavagem-de-dinheiro-ld
GOMES, Luiz Flávio. Lavagem de Dinheiro e o Direito Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 2009
Opinião do professor Pierpaolo Cruz Bottini para USP. Disponível em: https://direito.usp.br/noticia/06a24156015f-os-jogos-de-azar-e-a-lavagem-de-dinheiro
Lei n. 9.613/98. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm
Lei n. 3.688/41. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm
Lei n. 13.756/2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13756.htm
Lei n. 14.790/2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm
[1] GOMES, Luiz Flávio. Lavagem de Dinheiro e o Direito Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 2009