Por Helena Gobe Tonissi
Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para os condenar, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro [1].
É possível extrair do Dilema do Prisioneiro, paradoxo estudado na Teoria dos Jogos, que ao pensarem nos próprios interesses os prisioneiros são incapazes de alcançar o resultado ideal. Como um dos conceitos mais difundidos da Teoria dos Jogos, o Dilema do Prisioneiro demonstra que os melhores resultados são construídos através da cooperação, em que pese os incentivos individuais aparentemente desfavoráveis.
Na realidade, em situações diversas, verifica-se de forma constante o dilema entre o indivíduo e o coletivo.
Nessa toada, a Teoria dos Jogos, desenvolvida por John Von Neumann, advém da ideia de que conflitos de interesse podem ser estudados de forma matemática. Em 1944, a Teoria se materializou através da publicação do livro “A Teoria dos Jogos e o Comportamento Econômico”, por Neumann e Oskar Morgenstern, inicialmente pensada como uma base matemática para a Teoria Econômica, em que a Economia seria um jogo, no qual os participantes, através do raciocínio lógico, buscam antecipar as ações do outro para tomarem suas decisões, que também influenciarão o jogo [2].
Tem-se como premissa o equacionamento dos conflitos de interesse a partir da compreensão de que os jogadores tendem a maximizar o ganho individual, o que possibilita a análise por meio das possibilidades/probabilidades.
Com o tempo, ampliou-se o espectro de aplicação da Teoria dos Jogos, pois há uma pluralidade de ramos em que se tornou um diferencial analisar e projetar as possíveis escolhas dos outros jogadores para a tomada de decisão. Recentemente, tendo como expoente e percussor Alexandre Morais da Rosa, notou-se a aplicabilidade da Teoria dos Jogos ao processo penal brasileiro que, muito embora delimitado através de normas, percebidas como regras do jogo, é marcado pelas particularidades de cada caso, bem como de seus jogadores [3].
Nas palavras de Aury Lopes Júnior “Não há que se ter pudores em reconhecer que o processo penal instaura um estado de guerra (Goldschmidt) ou de jogo (Calamandrei), onde todos os direitos estão na ponta da espada”[4]. Portanto, ainda que se considere a rigidez da lei, a Teoria dos Jogos escancara a dinamicidade, os riscos e as incertezas que são característicos do processo penal, de modo que antecipar os movimentos dos outros jogadores, estabelecer uma estratégia e delimitar a atuação, significa reconhecer a existência de uma interação que terá consequência direta nos atos processuais [5].
Deixa-se de lado a ingenuidade que permeia a formalidade e o rigor do texto normativo, dependentes da atuação do julgador, para atuar de forma autêntica, recorrendo a táticas específicas, em um jogo democrático. Aplicar a Teoria dos Jogos ao processo penal significa rememorar jogos anteriores, conhecer a reputação dos jogadores, preparar e antecipar comportamentos, ou seja, dispor de utilidades capazes de maximizar direitos para alcançar um resultado melhor.
A restrição ao conhecimento das regras do processo penal mantém o jogador vulnerável aos que são capazes de manipular o jogo. No entanto, ainda que o processo esteja atrelado ao confronto entre o poder de punir estatal e o estado de liberdade do indivíduo, o que resulta no desequilíbrio e na dificuldade da cooperação entre os jogadores, é preciso levar em consideração os custos e recursos disponíveis [6].
Nesse ponto, em 1950, John Forbes Nash acrescentou à teoria dos jogos a ideia de que a noção de equilíbrio estava na verdade alicerçada na escolha dos indivíduos. Assim, baseando-se em uma lógica de conflitos, independentemente da existência de colaboração ou certezas, demonstrou ser possível alcançar uma solução. A reformulação proposta, que ficou conhecida como “Equilíbrio de Nash”, prevê a possibilidade da cooperação entre adversários, encontrando um ponto de equilíbrio, sem que houvesse prejuízo para um dos jogadores [7].
Com efeito, constata-se a presença do Equilíbrio de Nash no processo penal através dos institutos despenalizadores, casos em que, como no dilema do prisioneiro, a estratégia dominante pode ser prejudicial. Nestes casos, verifica-se a existência de uma relação de interdependência, em que, de forma racional, os jogadores devem adequar o comportamento de forma a obter um ganho parcial, escolhendo pelo melhor resultado coletivo.
Ilustra bem essa relação a vasta aplicação de institutos despenalizadores em crimes ambientais, já que a proposta da Lei 9.605/98, que deles trata, é justamente a reparação do dano e preservação do meio ambiente, de modo que inserir o infrator no sistema penitenciário não representa uma vantagem.
A cooperação permite que o infrator resolva, através do acordo com as autoridades, sua responsabilidade nas esferas administrativa, civil e penal [8]. Por outro lado, o meio ambiente e a sociedade ganham, como um todo, com a efetivação de propostas céleres que tenham como objeto a reparação do dano. Portanto, há a responsabilização por meio da composição, evitando assim a morosidade processual e a impunidade, além da economicidade de recursos materiais e humanos.
Na tutela do meio ambiente, a Justiça Penal Negocial, representada pela transação penal, suspensão condicional do processo ou acordo de não persecução penal, preza pela economia processual, aproximação entre vítima e infrator, duração razoável do processo, desencarceramento e reparação, portanto, reduz de forma significativa o prejuízo para os jogadores, bem como soluciona conflitos, beneficiando a coletividade. Logo, importa frisar que flexibilizar os princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade é uma alternativa, não uma imposição, sendo livre a escolha do acusado pela cooperação ou pelos trâmites ordinários do sistema judiciário [9].
O enfoque restaurativo permite melhorar a alocação dos recursos, pois os jogadores podem negociar os ônus, externalidades e ajustar as recompensas, essencialmente nos crimes ambientais, em que se consagra a reparação e a celeridade.
Com efeito, a Teoria dos Jogos aplicada a Justiça Penal Negocial com ênfase nos crimes ambientais, permite compreender que a decisão racional de cada indivíduo tem o poder de direcionar um melhor resultado para a sociedade. Cenários desfavoráveis podem ser evitados quando os jogadores são recompensados por agir de forma altruísta, por isso a importância de diretrizes (regras/normas) percebidas como incentivos ou punições, de forma a preservar os recursos coletivos [10].
Nestes casos, em regra, percebe-se que não há interesses conflitantes e a cooperação reflete a decisão racional do coletivo: o jogador-julgador mantendo a imparcialidade e reduzindo a superlotação do sistema penitenciário, o jogador-acusador exercendo o dever/direito de ação e, de certa forma, responsabilizando o infrator e, por fim, o jogador-acusado evitando pena mais gravosa e o encarceramento. Racionalmente há minimização de danos e prejuízos [11].
Assim, em um ambiente em que há mais de um tomador de decisão, verificada a imprescindibilidade de almejar o benefício coletivo e a pacificação social por meio da reparação do dano ao meio ambiente, bem como do enfrentamento à superlotação do sistema penitenciário com a racionalização da aplicação de penas, não há dúvidas quanto a presença da Teoria dos Jogos na Justiça Penal Negocial essencialmente nos crimes ambientais.
[1] Formulação original do dilema, proposta por Flood e Drescher, na década de 1950.
[2] SOUZA, Adamo Alberto de. A teoria dos jogos e as ciências. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2002. f. 173-176. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/88823/souza_aa_me_mar.pdf?sequence=1>. p. 12.
[3] MARINHO, João Paulo de Araújo Marinho. A Teoria dos Jogos Aplicada à Delação Premiada. Disponível em: <https://www.unibalsas.edu.br/wp-content/uploads/2017/01/JO%C3%83O-PAULO-DE-ARA%C3%9AJO-MARINHO-A-TEORIA-DOS-JOGOS-APLICADA-%C3%80-DELA%C3%87%C3%83O-PREMIADA.pdf>. p. 4.
[4] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 5. ed. Florianópolis: EMais, 2019.
[5] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. CANI, Luiz Eduardo. Processo Penal conforme a teoria dos jogos (ou para entender Alexandre Morais da Rosa). Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-out-25/limite-penal-processo-penal-conforme-teoria-jogos>.
[6] MUELLER, Rafaela. Aplicação da Teoria dos Jogos no Processo penal nas comarcas de Estrela e Lajeado/RS. Disponível em: <https://univates.br/bdu/bitstream/10737/2077/1/Rafaela%20Mueller.pdf>. p. 27.
[7] MARINHO, João Paulo de Araújo Marinho. A Teoria dos Jogos Aplicada à Delação Premiada. Disponível em: <https://www.unibalsas.edu.br/wp-content/uploads/2017/01/JO%C3%83O-PAULO-DE-ARA%C3%9AJO-MARINHO-A-TEORIA-DOS-JOGOS-APLICADA-%C3%80-DELA%C3%87%C3%83O-PREMIADA.pdf>. p. 4.
[8] FREITAS, Vladimir Passos de. Crimes ambientais: acordos e processo penal. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2022-abr-10/segunda-leitura-crimes-ambientaisacordos-processo-penal>.
[9] MIRANDA, Marcos Paulo de Souza Miranda. Justiça Penal Negocial em sede de crimes ambientais. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mai-29/ambiente-juridico-justica-penal-negocial-sede-crimes-ambientais>. p. 2.
[10] SOUZA, Adamo Alberto de. A teoria dos jogos e as ciências. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2002. f. 173-176. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/88823/souza_aa_me_mar.pdf?sequence=1>. p. 15.
[11] MORAIS, Glauciane Gabriele Barbosa. Aplicabilidade da Teoria dos Jogos ao Acordo de Não Persecução Penal no Direito Brasileiro. Monografia apresentado ao Núcleo de Trabalho de Curso da UniEVANGÉLICA. Anápolis, 2021. Disponível em: <http://repositorio.aee.edu.br/handle/aee/18229>. p.21.